O
tempo comum expressa uma forte relação entre Jesus e o povo. Hoje, quinto
domingo, aparece um texto forte de Lucas 5,1-11 evidenciando um pregador
destemido e com a utilização de uma técnica inaudita. Leiamos os vv. 2-3 como
ele afasta a barca da terra. Ora, essa atitude ajudava a voz do pregador a se
expandir e ecoar. A voz batia na água e a própria natureza se encarregava de
espalhar a sonoridade. Era comum o uso da técnica e Jesus a aperfeiçoa pelo
cuidado e pela ternura que tem pelo povo. O texto diz: “subiu a uma das barcas
que era de Simão e pediu-lhe que a afastasse um pouco da terra; e sentado,
ensinava da barca o povo”.
O
caminho profético de Jesus é diferenciado. Ele sentado, ensinava a multidão. Recorda
um gesto de autoridade. Seus adversários se enfureciam e são muitos os
textos que evidenciam isto. Por ex.: Lc 6,11 – “Eles ficaram com muita raiva e
começaram a conversar sobre o que poderiam fazer contra Jesus”. Tamanha
rejeição é fruto da escolha feita por Jesus. Quem está em destaque perante ele
é o povo e não as autoridades. E mais, sua autoridade é acompanhada de uma ternura
incomum, que torna-o diferente dos demais pregadores. Vejamos como no
desenrolar da cena, a pesca entra como um prolongamento de quem observa a vida
dos que o cercam.
Pedro,
a pesca e nós
“Quando
acabou de falar, disse a Simão: Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para
pescar”. Avança Pedro. Coragem Pedro. A barca era de Simão e os peixes “escondidos
no mar”. Numa nítida metáfora não podemos ver aqui o retrato da abundância
messiânica? O que nos impede de enxergar no texto, a liberdade provocadora de
Jesus diante da natureza, das pessoas, dos apóstolos e do povo? Para seguir
Jesus de perto e fazer o que Ele fez tem que ser livre. Avança
Pedro, avança comunidade tíbia e medrosa. O recado é claro: estamos engessando
o evangelho. Nossa visão de Jesus e de sua profecia é quase sempre míope e
interesseira provocando letargia – sono profundo – e um grande desgaste na
maneira de apresentar o evangelho.
Em
tempos de águas turbulentas é necessário arriscar mais e desapegar-se de certos
preconceitos que atrapalham e, muito, os evangelizadores atuais. Alguns deles
são: fundamentalismo
e restrição ao círculo dos grupos católicos. Tudo isso acontece de
forma nítida porque estamos ansiosos em pregar a “nós mesmos”. O conteúdo da
pregação em muitos casos é recheado de lacunas aonde não se percebe a relação
do pregador com aquilo que ele fala. Árbitros e juízes, senhores e moralistas
se antecipam e condenam na pregação a tudo e a todos. Em certos momentos e
lugares estão mais incisivos e condenativos do que os pregadores do período
medieval. Há muitos e muitas enxergando heresias e erros em todo canto. Que
pobreza. Não teria Pedro, por ordem de Jesus, apanhado peixes diversos e
diferentes? Que mania de prejulgar e excluir do Reino quem não tem a marca dos
grupos e das igrejas.
Nossa
pesca está se tornando obsoleta. Não podemos esquecer que o mar não é nosso, as
redes, também não. Na verdade, somos peixes da embarcação de Pedro e não
os donos do barco. Somos aprendizes da história do reino e quanto mais nos
dispusermos a escutar o Mestre que continua sentado nas praças, ruas, avenidas,
favelas e hospitais, mais sua voz ecoara na tentativa de transformar a história
e as pessoas que acreditam na sua proposta libertadora. Ou ainda pensam que Ele
está apenas na “nossa igreja”?
José
Soares de Jesus
Soares,
ResponderExcluirUm texto instigador/inspirador e que precisa ser lido e refletido por muitos que exercem funções de liderança em espaços eclesiais ou na sociedade civil.
Abraço,
Zezito
É verdade, o mar não é nosso, a natureza não é nossa, o povo não nos pertence. Estamos lançando as redes em águas super rasas. Estamos nos perdendo. Muitos não querem lançar suas redes onde Jesus ordena para não ter trabalho de puxá-la. Pesa muito. O Espírito não consegue mais agir porque nos fechamos e, muitas vezes,queremos impedi-lo de chegar aos outros.Estamos esquecendo de sua proposta libertadora e subjugamos aqueles que ainda acreditam nessa proposta. Pedro teve coragem, ouviu a voz do Senhor.
ResponderExcluirInteressante esse texto. No ultimo paragrafo citas a frase que parecias adivinhar que o Santo Padre iria renunciar. O mar não é nosso, as redes também não! Ele repetiu quase idêntico na ultima palavra aos cardeais: "A Igreja não é minha, a Igreja não é vossa. A igreja é de Cristo"! (Papa Emérito Bento XVI)
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