sábado, 9 de fevereiro de 2013

O DESAFIO DA PESCA


O tempo comum expressa uma forte relação entre Jesus e o povo. Hoje, quinto domingo, aparece um texto forte de Lucas 5,1-11 evidenciando um pregador destemido e com a utilização de uma técnica inaudita. Leiamos os vv. 2-3 como ele afasta a barca da terra. Ora, essa atitude ajudava a voz do pregador a se expandir e ecoar. A voz batia na água e a própria natureza se encarregava de espalhar a sonoridade. Era comum o uso da técnica e Jesus a aperfeiçoa pelo cuidado e pela ternura que tem pelo povo. O texto diz: “subiu a uma das barcas que era de Simão e pediu-lhe que a afastasse um pouco da terra; e sentado, ensinava da barca o povo”.

O caminho profético de Jesus é diferenciado. Ele sentado, ensinava a multidão. Recorda um gesto de autoridade. Seus adversários se enfureciam e são muitos os textos que evidenciam isto. Por ex.: Lc 6,11 – “Eles ficaram com muita raiva e começaram a conversar sobre o que poderiam fazer contra Jesus”. Tamanha rejeição é fruto da escolha feita por Jesus. Quem está em destaque perante ele é o povo e não as autoridades. E mais, sua autoridade é acompanhada de uma ternura incomum, que torna-o diferente dos demais pregadores. Vejamos como no desenrolar da cena, a pesca entra como um prolongamento de quem observa a vida dos que o cercam.

Pedro, a pesca e nós

“Quando acabou de falar, disse a Simão: Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para pescar”. Avança Pedro. Coragem Pedro. A barca era de Simão e os peixes “escondidos no mar”. Numa nítida metáfora não podemos ver aqui o retrato da abundância messiânica? O que nos impede de enxergar no texto, a liberdade provocadora de Jesus diante da natureza, das pessoas, dos apóstolos e do povo? Para seguir Jesus de perto e fazer o que Ele fez tem que ser livre. Avança Pedro, avança comunidade tíbia e medrosa. O recado é claro: estamos engessando o evangelho. Nossa visão de Jesus e de sua profecia é quase sempre míope e interesseira provocando letargia – sono profundo – e um grande desgaste na maneira de apresentar o evangelho.

Em tempos de águas turbulentas é necessário arriscar mais e desapegar-se de certos preconceitos que atrapalham e, muito, os evangelizadores atuais. Alguns deles são: fundamentalismo e restrição ao círculo dos grupos católicos. Tudo isso acontece de forma nítida porque estamos ansiosos em pregar a “nós mesmos”. O conteúdo da pregação em muitos casos é recheado de lacunas aonde não se percebe a relação do pregador com aquilo que ele fala. Árbitros e juízes, senhores e moralistas se antecipam e condenam na pregação a tudo e a todos. Em certos momentos e lugares estão mais incisivos e condenativos do que os pregadores do período medieval. Há muitos e muitas enxergando heresias e erros em todo canto. Que pobreza. Não teria Pedro, por ordem de Jesus, apanhado peixes diversos e diferentes? Que mania de prejulgar e excluir do Reino quem não tem a marca dos grupos e das igrejas.

Nossa pesca está se tornando obsoleta. Não podemos esquecer que o mar não é nosso, as redes, também não. Na verdade, somos peixes da embarcação de Pedro e não os donos do barco. Somos aprendizes da história do reino e quanto mais nos dispusermos a escutar o Mestre que continua sentado nas praças, ruas, avenidas, favelas e hospitais, mais sua voz ecoara na tentativa de transformar a história e as pessoas que acreditam na sua proposta libertadora. Ou ainda pensam que Ele está apenas na “nossa igreja”?

José Soares de Jesus

3 comentários:

  1. Soares,
    Um texto instigador/inspirador e que precisa ser lido e refletido por muitos que exercem funções de liderança em espaços eclesiais ou na sociedade civil.
    Abraço,

    Zezito

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  2. É verdade, o mar não é nosso, a natureza não é nossa, o povo não nos pertence. Estamos lançando as redes em águas super rasas. Estamos nos perdendo. Muitos não querem lançar suas redes onde Jesus ordena para não ter trabalho de puxá-la. Pesa muito. O Espírito não consegue mais agir porque nos fechamos e, muitas vezes,queremos impedi-lo de chegar aos outros.Estamos esquecendo de sua proposta libertadora e subjugamos aqueles que ainda acreditam nessa proposta. Pedro teve coragem, ouviu a voz do Senhor.

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  3. Interessante esse texto. No ultimo paragrafo citas a frase que parecias adivinhar que o Santo Padre iria renunciar. O mar não é nosso, as redes também não! Ele repetiu quase idêntico na ultima palavra aos cardeais: "A Igreja não é minha, a Igreja não é vossa. A igreja é de Cristo"! (Papa Emérito Bento XVI)

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